Mensagem na Garrafa vol. 1

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Quem aprecia cervejas artesanais já reparou no capricho dos rótulos. Nós, Lupulinas, vamos além e somos apaixonadas também por alguns contra-rótulos e textos que acompanham as estampas, explicando a origem e a inspiração das cervejas que vamos beber. Alguns são engraçados, outros são curiosos e informativos e há também os que beiram o pedantismo. Tudo motivo para um sorriso, um assunto, uma distração à mesa.

Este post é apenas o primeiro de uma série falando sobre contra-rótulos que achamos interessantes. Para os próximos, aceitamos colaborações. É só mandar a foto e dizeres da cerveja para o email lupulinas@lupulinas.com.br

St. Rogue Red Ale – Dry Hopped (Rogue Brewery, Oregon, Estados Unidos)
“Fukutsuru (1992-2002) R.I.P.
Por trás de uma grande cerveja existe um mestre cervejeiro e por trás de um grande bife há um touro. Fukutsuru (Fuku para os íntimos) é este touro. Primeiro do ranking norte-americano no quesito marmoreio*, Fuku é um touro wagyu japonês que deixou uma imensa prole responsável pelo fornecimento da melhor carne Kobe dos EUA e que vai bem com a St Rogue Red.
Mais de 50.000 amostras do sêmen de Fuku estão congeladas para futuras inseminações. Em seus últimos dias de vida, deram a Fuku a chance de “socializar” com algumas vacas mais novas. Em vez disso, ele preferiu tirar uma soneca.
Nós dedicamos esta cerveja a Fuku – um desajustado (rogue) até o final.”

Wasatch Evolution Amber Ale (Utah Brewers Cooperative, Estados Unidos)
“Esta cerveja é parte do nosso protesto contra a tentativa da Assembléia Legislativa de Utah de obrigar o ensino do criacionismo nas escolas públicas. Acreditamos que Igreja e Estado devem permanecer separados, até mesmo em Utah. Esta amber ale apresenta um agradável início maltado, bem equilibrado com uma dose saudável de lúpulos Tettnanger. Foi engarrafada pela primeira vez em 2002 como cerveja não-oficial dos Jogos Olímpicos de Inverno.”

Paqui Brown (Cerveceria Tyris, Valencia, Espanha)
“Paquita Brown vive al limite. Sólo bebe cerveza sin filtrar, directa del fermentador. Paqui pasa lúpulo de contrabando, sólo las mejores cosechas. Esta botella contiene su receta favorita. Una brown ale, dulce, cremosa e intensa, monovarietal de Simcoe, sin tontérias. Paqui desfruta de cada cerveza como si fuera la última.”

X Black IPA / Hi5 (Cervejaria 2cabeças, RJ, Brasil)
“Sabe aquele dia que você quer receber uma porrada no paladar? Lembra daquelas cervejas sem graça que você conhece? Agora esqueça! Esta é uma cerveja escura e intensa, com doses cavalares de lúpulo americano e um toque de malte torrado que criam uma cerveja refrescante e única. NÃO É PARA OS FRACOS.”

Green Cow IPA (Seasons Craft Brewery, RS, Brasil)
“- de doce já basta a vida -
Arte e revolução em estado líquido. Uma American India Pale Ale feita com quantidades absurdas de lúpulo, produzida para quem gosta de amargor com frescor e sem frescura. Abrir em momentos onde tudo que você quer é fazer cara de “meu deus do céu, o que é isso!?”

Gonzo Imperial Porter (Flying Dog Brewery, Maryland, Estados Unidos)
“Certa vez Hunter S. Thompson disse “Quando a parada fica estranha, o estranho vira profissa”. Taí nossa versão profissa da Gonzo Imperial Porter. Envelhecida e maturada por três meses em barris de madeira de uísque, esta ale tem um sabor bem equilibrado e um exagero de personalidade. (…) Gente boa bebe cerveja boa.”

Tokyo (Brewdog Brewery, Escócia)
“Esta cerveja é inspirada no arcade Space Invaders, de 1980, sucesso na capital japonesa. A ironia do existencialismo, a paródia do ser e as contradições inerentes ao pós-modernismo sugeridas por esse game de ação foram cuidadosamente recriadas no conteúdo desta garrafa.

Biritis (Brassaria Ampolis, RJ, Brasil)
“Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum, seria um dos maiores brasileiros vivos se não nos tivesse deixado para se tornar um dos maiores brasileiros da História. Toda essa importância nunca foi ‘devidamente’ reconhecida. Até agora. A Biritis é mais que uma cerveja, é uma homenagem e um presente da família do Mussum – que tem cerveja na veia – para os apreciadores de uma boa risada e uma bela cerveja.”

Maria Degolada (Cervejaria Anner, RS, Brasil)
“Esta cerveja faz uma homenagem ao local onde a cervejaria Anner teve origem: a vila Maria da Conceição, em Porto Alegre, sul do Brasil, conhecida pela lenda da Maria Degolada. Maria Francelina Trenes foi degolada por ciúmes em 12 de dezembro de 1899 pelo seu namorado, um policial militar. No local de sua morte foi colocada uma lápide, onde ao redor cresceu a vila da Maria Degolada, protetora dos que tem problemas com a polícia e considerada uma santa pela população local.
- Agradeço pelas graças alcançadas – ”

Dogfish Head: criatividade e sabor

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Quando alguém vai fazer turismo nos Estados Unidos, pensamos em destinos como Nova York, Miami e Califórnia. Que diabos nós, Lupulinas, fomos fazer no estado de Delaware? A resposta só poderia ser: beber cerveja. \o/

Quem assistiu a série Mestres Cervejeiros na TLC deve se lembrar das aventuras de Sam Calagione pelo mundo inteiro atrás de novas receitas e parcerias para sua cervejaria Dogfish Head (algo como Cabeça de Cação, embora o logo da cervejaria seja o cação inteiro). Pois foi para beber as Dogfish in loco, fresquinhas, que nós fomos parar em Delaware.

Em Washington DC, alugamos um carro e em pouco menos de 3 horas chegamos em Rehoboth Beach (pronuncia-se “rirrôbo”), um pequeno balneário onde fica o pub de Caligione. Antes atravessamos a Chesapeake Bay Bridge, uma ponte maravilhosa de 7 km de puro aço que separa os estados de Maryland e Delaware. Ficamos num hotelzinho barato a poucos quarteirões do bar, sabendo que iríamos freqüentá-lo em cada um dos três dias de estadia.

O ambiente do pub é acolhedor, a poucos quarteirões da praia de Rehoboth, com estacionamento para os clientes e WI-FI gratuito. Logo na entrada, uma lojinha vende cervejas engarrafadas e mercadorias promocionais: copos (inclusive o novo copo especial, desenhado para acentuar o aroma e sabor das India Pale Ale), camisetas, bolachas, flâmulas, abridores, camisetas e até coleira para seu cachorro! Os funcionários são atenciosos e gentis, sem aquela pressa característica do serviço das capitais. Entre freqüentadores, casais de todas as idades, orientações sexuais e famílias com crianças (ao menos durante o dia).

A comida é boa com pratos principais, sanduíches ou snacks. Além das ofertas ‘on tap’ (chopp) diárias, todas as cervejas da DH estão disponíveis em garrafas de 660ml ou em packs de seis de 330ml. Uma boa pedida é experimentar as sazonais, mais difíceis de encontrar no Brasil, ou então algumas receitas que a cervejaria não engarrafa, como a History of Past Years, feita a partir de pão fermentado, estilo Kvass, como as feitas na Europa Oriental do século 10. Para quem se preocupa com sustentabilidade, a cervejaria faz questão de propagandear seus esforços pró-ecológicos, usando ingredientes locais na manufatura de suas sazonais.

O som ambiente é rock’n roll e, nos fins de semana, o pub tem música ao vivo com bandas iniciantes e, às vezes, até artistas mais conhecidos e amigos de Sam que vão ali beber cerveja e dar uma canja. Morremos ao ver um cartaz que anunciava a passagem de Bill Callahan pelo pedaço. (Que tal, Lorena? *-*)

Mas, além do pub, é obrigatória uma visita à fábrica, que fica em Milton, ainda em Delaware, a 20 minutos de Rehoboth Beach, onde são produzidas diariamente 9.000 caixas de cerveja (24 garrafas em cada caixa), além das que vão direto para os barris de chope. Os tours podem ser marcados antecipadamente ou você pode arriscar chegar sem agendamento, esperar um pouco e se encaixar em algum grupo (12 pessoas por vez). Eles acontecem de hora em hora e são bastante informais, começando ali mesmo na recepção/loja, onde aprendemos o básico da feitura das cervejas e as particularidades de cada estilo.

O guia é descolado, conta a história da cerveja e da cervejaria. Lá ficamos sabendo que, fundada em 1995, o investimento colocado na DH só foi recuperado depois de 12 anos de muito trabalho e dedicação.

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Depois, adentramos a fábrica (única exigência é ir de calçados fechados e usar óculos protetores que eles fornecem ali mesmo) para ver em detalhes todas as etapas dos processos de cozimento, fermentação, adição de lúpulos e etc. Dez enormes tonéis de aço da altura de dois andares são impressionantes e comandados por três engenheiros que ficam no centro operando computadores que misturam todos ingredientes através de canículas espalhadas por todo o teto da fábrica. Isso sem falar no xodó de Sam: dois enormes tonéis de carvalho, à prova de bala ¯\_(?)_/¯ usados para dar um toque amadeirado em algumas receitas que passam por envelhecimento típico dos vinhos. Logo de cara é demonstrado o orgulho em fazer cerveja com malte de cereais que não milho, soja ou aveia, que fermentam muito rapidamente e por isso é usado pelas grandes cervejarias brasileiras. A fábrica, que começou pequena, hoje é completamente automatizada e continua a se expandir, sem perder sua vocação artesanal e sustentável. Até o bagaço descartado é reaproveitado e alimenta o gado da vizinhança e os kegs (barris de chope) são reciclados.

Vale ressaltar a escultura retrô-futurista Steampunk Tree, do artista Sean Orlando, que encontrou na entrada da fábrica da Dogfish Head morada permanente. É uma atração à parte e mostra o compromisso de Caligione com a arte, presente também nos rótulos de suas cervejas, simplesmente maravilhosos. Infelizmente, pelas leis estaduais, a fábrica só pode oferecer quatro “samplers” (copinhos de 100 ml) de suas cervejas a cada visitante. Ou seja: se você quiser continuar bebendo, terá que voltar ao pub ou comprar garrafas ali mesmo para levar para casa ou para o hotel (o que já é um bom consolo, difícil mesmo é não levar quase tudo que tem na loja).

Cervejas que experimentamos no pub e na fábrica da Dogfish Head:

- Namaste: fraquinha, sem revelar grandes surpresas além das notas cítricas. ABV 5 IBU 20
- Positive Contact: muito boa, lembra uma típica abadessa pela quantidade alcoólica e pela complexidade. ABV 9 IBU 26
- Province Windsor Ale: uma especial de primavera, amarga na medida, com álcool deliciosamente mesclado aos maltes ingleses escolhidos. ABV 8,2 IBU 44
- Aprilhop: uma IPA sazonal levemente frutada com toques de damasco, bem gostosinha. ABV 7 IBU 50
- 60 minute IPA: maravilhosa, bem fresca (na pressão, muito melhor que a engarrafada), um dos carros-chefe da casa e nossa preferida. ABV 6 IBU 60
- 90 minute IPA: uma Imperial IPA mais alcoólica, lupulada e pungente que a 60 minutes. ABV 9 IBU 90
- 75 minute IPA: simplesmente uma mistura das duas IPAs citadas acima. Coisas de Sam. -
Indian Brown Ale: uma Ale encorpada e com amargor na medida. Combinou bastante com a noite fria. ABV 7,2 IBU 50
- Raison D’Etre: próxima ao vinho na fermentação e na alma. Não gostamos muito por conta dos toques doces de uva passa, um tanto enjoativos. ABV 8 IBU 25
- Sah’tea: com forte gosto de chá, outra cerveja que não nos conquistou. ABV 9 IBU 6
- History of Past Years: Vange gostou e Cilmara, não. Azedinha, parece pão líquido. Cilmara acha boa para “limpar a serpentina”. ABV 4 IBU 2

*ABV= graduação alcoólica *IBU= amargor

Maiores informações sobre as cervejas, fábrica e tours, no site da Dogfish Head dogfish.com

PS: se você não quiser ficar só no turismo cervejeiro, Rehoboth Beach tem uma praia linda (ventosa e com mar bravo, mesmo em dias quentes) e mais de uma dezenas de Outlets com lojas famosas e preços abaixo dos cobrados nas capitais e grandes cidades dos Estados Unidos. A neblina por lá é tão característica que em um cruzamento no meio da cidade colocaram um farol. Mesmo. Desses que ficam no mar.