Os Novos Cervejeiros de Júpiter

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david na chopeira (divulgação)

No mundo da cerveja artesanal a maioria das empresas começa de maneira orgânica. Ou é um grupo de amigos que já aloprou testando formulas e formulas ou é uma família, normalmente dois ou três irmãos que, da brincadeira, passam para a coisa séria. Essa característica faz parte, principalmente, de uma nova geração de cervejeiros que sublocam espaços em fábricas já estabelecidas.

A Cervejaria Júpiter nasceu na casa dos Michelson depois de muita zona com panelas e lúpulos e maltes que David, o primogênito, fazia. Pouco a pouco, primeiro como pilotos de teste e depois com funções estabelecidas, Rafael e Alexandre foram mordidos pelo gosto e prazer de fazer cerveja artesanal.

Sua primeira criação foi lançada em julho de 2013 e logo conquistou os especialistas. Usando a fábrica da Dortmund, em Serra Negra, a Júpiter APA – American Pale Ale – mostrou personalidade não só no conteúdo da garrafa como também em seu rótulo. Obra também de David Michelson que resolveu abrir a Júpiter depois que foi demitido da revista Época, onde era editor de multimídia, num dos passaralhos que rolaram na grande imprensa. Ganhamos nós porque o cuidado gráfico da Júpiter faz com que a marca salte aos nossos olhos.

A Júpiter APA usa lúpulos americanos e passa pelo processo de dry hopping*  Ela não é filtrada e nem pasteurizada, no copo fica entre dourada e alaranjada e tem um aroma inconfundível, entre as nacionais. O toque cítrico do lúpulo usado nos faz pensar em maracujá, mas tudo é bem suave e equilibrado.  ABV 5,4 IBU 37

O segundo rótulo, Júpiter IPA – India Pale Ale – usa a técnica que a Dogfish Head criou e aprimorou. Chama-se lupulagem contínua e David explica o que é isso na entrevista abaixo. O toque refrescante comparece com aroma de limão e abacaxi e um final seco sempre pede outro gole. O rótulo é do mestre Ciro Bicudo e, além de bonito, traz informações preciosas para o consumidor. ABV 6,5 IBU 70

Lupulinas: Vocês são três irmãos tocando a Júpiter, certo? E chamaram o Vitor Marinho pra ser mestre cervejeiro?
David: Pra ser rigoroso, o Vítor não é exatamente um mestre cervejeiro, porque teria que ter cursos como especialista. Mas ele é uma grande promessa, um grande talento. É uma questão de tempo e mais anos de bagagem.

Lupulinas:  Logo no começo vocês já sentiram necessidade de engarrafar a cerveja? Digo isso porque é normal nos Estados Unidos, os artesanais ficarem anos só no barril.
David: Aqui a cervejaria tem que ter linha de envase porque a cultura de chopp no Brasil é muito incipiente. Por exemplo, na Irlanda, tipo 75% da cerveja É consumida em barril. No Brasil, eu precisaria ver o número certo, mas acho que é tipo menos de 5%.

Lupulinas: Vocês acham que é pela cultura ou também por causa do transporte e da logística?
David: É cultural. Primeiro que, por exemplo, pro sujeito servir chopp num bar precisa ter toda uma infraestrutura para os barris. A gente tem uma cultura de boteco, uma portinha só, e geralmente não tem espaço pra essa infra. Outra coisa é que a manutenção de chopeiras exige conhecimento e treinamento e as cervejarias pequenas não têm condições de bancar essa estrutura nos bares.

Lupulinas: E como foi a decisão de passar de uma produção caseira para uma cervejaria de fato, que envasa e vende suas cervejas?
David: Eu trabalhava na Época e, num ano fui eleito funcionário exemplar em 2010 e, no ano seguinte, durante um passaralho, fui demitido. A gente já fazia cerveja em casa, curtia muito fazer, fazia vários lotes e convidava uma galera pra experimentar e palpitar. Depois que eu fui demitido, em novembro de 2011, fiquei dois meses sem nenhum frila e, pra não pirar, resolvi ocupar todo o meu tempo fazendo cerveja: um dia eu brassava, no outro dia eu remendava equipamento, no outro eu desenhava o rótulo, no outro eu lavava garrafa, e tudo feito no panelão, em casa. Aí comecei a ler um monte de livro sobre produção, história das cervejarias, comecei a fazer as contas, ter umas idéias, chamei meus irmãos e disse: “acho que dá”. Depois, me inscrevi no curso do Senai (cervejeiro) em Vassouras, fiz um intensivão de um mês lá. Daí, quando cheguei, comecei a encher o saco do Vítor (que trabalhava na Cervejaria Nacional e hoje está na Dortmund) pra colaborar com a gente como consultor, pra fazer pequenos acertos nas receitas.

Lupulinas: Como está a produção de vocês?
David: A gente produz 1800 litros de APA por mês, desde que começamos, e continuamos assim. A IPA a gente produz um lote de 3000 litros de cada vez, mas não conseguimos ainda produzi-la com regularidade por questões técnicas e fabris (por isso ela some de vez em quando do mercado). Mas nós estamos aumentando os pontos de venda (cheque a página do site). A gente queria entrar no mercado com um preço super competitivo, com a garrafa custando 10 reais nos pontos de venda, mas a gente não conseguiu. E nós mesmos que distribuímos (por enquanto).

Lupulinas: Vocês produzem a APA na Cervejaria Dortmund, né?
David: Sim Elas saem da câmara refrigerada da Dortmund e um caminhão com isolamento térmico traz o lote para o nosso estoque refrigerado (e compartilhado com outras cervejarias), que fica em Itapevi. Agora a gente quer fazer um acordo com alguma distribuidora e ampliar nossos pontos de venda porque a gente só tem essa Kangoo com compartimento refrigerado pra dar conta da distribuição.

Lupulinas: As cervejas da Ambev não são transportadas por caminhões refrigerados, né?
David: Não. E nem são todas as importadoras que trabalham com carga refrigerada.

Lupulinas: E por que o transporte refrigerado é tão importante? Por causa do Lúpulo?
David: Sim, especialmente por causa do lúpulo. A cerveja que é transportada fresca não perde o sabor nem o aroma dos lúpulos.

Lupulinas: Vocês se inspiraram na Dogfish Head para fazer uma cerveja com lupulagem contínua?
David: Totalmente. Era uma brincadeira que a gente fazia nos lotes feitos em casa. A gente ficava lá que nem maluco, colocando um tiquinho de lúpulo a cada minuto da fervura. Quando passamos a produzir em cervejarias, continuamos com a lupulagem contínua, numa escala maior. Aliás, o Sam Calagione (cervejeiro da Dogfish) elaborou esse conceito da lupulagem contínua assistindo a um programa de culinária na TV. O apresentador dizia que, em vez de colocar os temperos todos na panela de uma vez, o lance era ir temperando a comida aos poucos, durante todo o processo, para extrair uma gama maior de sabores e aromas. A cerveja tem muito disso também: se vc coloca o lúpulo faltando uma hora pro fim da fervura, vc extrai amargor; a 20 min do final, vc extrai sabor; se vc adiciona o lúpulo no finzinho da fervura, vc extrai dele o aroma. Assim, o que o Calagione fez com a lupulagem contínua foi extrair todo tipo de sabores e nuances do lúpulo. A gente também faz hop tea que é um outro tipo de dry hopping. Na parte da maturação, fase em que normalmente se faz dry hopping, a gente faz tipo um chá de lúpulo a 60/70 graus para adicionar à cerveja.

Lupulinas: Quais são os planos para 2014? Vão fazer novos lançamentos?
David: Pro primeiro semestre, temos uma meia dúzia de lançamentos. Duas cervejas sazonais serão feitas em parceria com a Cervejaria Nacional, pra vender na torneira deles. Vamos lançar também uma witbier com tangerina pra talvez lançar no Festival de Blumenau. Vamos lançar tb duas cervejas com pimenta (uma com habanero e outra com chiplote) em parceria com a De Cabrón. Na última semana de março sai nossa session IPA, só nossa, sem parceria e será cerveja de linha como a APA e a IPA. Em julho, no aniversário de um ano, queremos lançar uma stout mais tradicional.

*dry hopping é a colocação de lúpulo durante a fermentação, maturação ou até mesmo no barril da cerveja. O lúpulo prensado é colocado dentro de uma bolsinha com tecido bem fino para que depois seja fácil de retirar. Quantidade e duração variam de acordo com a receita.

Dogfish Head: criatividade e sabor

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Quando alguém vai fazer turismo nos Estados Unidos, pensamos em destinos como Nova York, Miami e Califórnia. Que diabos nós, Lupulinas, fomos fazer no estado de Delaware? A resposta só poderia ser: beber cerveja. \o/

Quem assistiu a série Mestres Cervejeiros na TLC deve se lembrar das aventuras de Sam Calagione pelo mundo inteiro atrás de novas receitas e parcerias para sua cervejaria Dogfish Head (algo como Cabeça de Cação, embora o logo da cervejaria seja o cação inteiro). Pois foi para beber as Dogfish in loco, fresquinhas, que nós fomos parar em Delaware.

Em Washington DC, alugamos um carro e em pouco menos de 3 horas chegamos em Rehoboth Beach (pronuncia-se “rirrôbo”), um pequeno balneário onde fica o pub de Caligione. Antes atravessamos a Chesapeake Bay Bridge, uma ponte maravilhosa de 7 km de puro aço que separa os estados de Maryland e Delaware. Ficamos num hotelzinho barato a poucos quarteirões do bar, sabendo que iríamos freqüentá-lo em cada um dos três dias de estadia.

O ambiente do pub é acolhedor, a poucos quarteirões da praia de Rehoboth, com estacionamento para os clientes e WI-FI gratuito. Logo na entrada, uma lojinha vende cervejas engarrafadas e mercadorias promocionais: copos (inclusive o novo copo especial, desenhado para acentuar o aroma e sabor das India Pale Ale), camisetas, bolachas, flâmulas, abridores, camisetas e até coleira para seu cachorro! Os funcionários são atenciosos e gentis, sem aquela pressa característica do serviço das capitais. Entre freqüentadores, casais de todas as idades, orientações sexuais e famílias com crianças (ao menos durante o dia).

A comida é boa com pratos principais, sanduíches ou snacks. Além das ofertas ‘on tap’ (chopp) diárias, todas as cervejas da DH estão disponíveis em garrafas de 660ml ou em packs de seis de 330ml. Uma boa pedida é experimentar as sazonais, mais difíceis de encontrar no Brasil, ou então algumas receitas que a cervejaria não engarrafa, como a History of Past Years, feita a partir de pão fermentado, estilo Kvass, como as feitas na Europa Oriental do século 10. Para quem se preocupa com sustentabilidade, a cervejaria faz questão de propagandear seus esforços pró-ecológicos, usando ingredientes locais na manufatura de suas sazonais.

O som ambiente é rock’n roll e, nos fins de semana, o pub tem música ao vivo com bandas iniciantes e, às vezes, até artistas mais conhecidos e amigos de Sam que vão ali beber cerveja e dar uma canja. Morremos ao ver um cartaz que anunciava a passagem de Bill Callahan pelo pedaço. (Que tal, Lorena? *-*)

Mas, além do pub, é obrigatória uma visita à fábrica, que fica em Milton, ainda em Delaware, a 20 minutos de Rehoboth Beach, onde são produzidas diariamente 9.000 caixas de cerveja (24 garrafas em cada caixa), além das que vão direto para os barris de chope. Os tours podem ser marcados antecipadamente ou você pode arriscar chegar sem agendamento, esperar um pouco e se encaixar em algum grupo (12 pessoas por vez). Eles acontecem de hora em hora e são bastante informais, começando ali mesmo na recepção/loja, onde aprendemos o básico da feitura das cervejas e as particularidades de cada estilo.

O guia é descolado, conta a história da cerveja e da cervejaria. Lá ficamos sabendo que, fundada em 1995, o investimento colocado na DH só foi recuperado depois de 12 anos de muito trabalho e dedicação.

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Depois, adentramos a fábrica (única exigência é ir de calçados fechados e usar óculos protetores que eles fornecem ali mesmo) para ver em detalhes todas as etapas dos processos de cozimento, fermentação, adição de lúpulos e etc. Dez enormes tonéis de aço da altura de dois andares são impressionantes e comandados por três engenheiros que ficam no centro operando computadores que misturam todos ingredientes através de canículas espalhadas por todo o teto da fábrica. Isso sem falar no xodó de Sam: dois enormes tonéis de carvalho, à prova de bala ¯\_(?)_/¯ usados para dar um toque amadeirado em algumas receitas que passam por envelhecimento típico dos vinhos. Logo de cara é demonstrado o orgulho em fazer cerveja com malte de cereais que não milho, soja ou aveia, que fermentam muito rapidamente e por isso é usado pelas grandes cervejarias brasileiras. A fábrica, que começou pequena, hoje é completamente automatizada e continua a se expandir, sem perder sua vocação artesanal e sustentável. Até o bagaço descartado é reaproveitado e alimenta o gado da vizinhança e os kegs (barris de chope) são reciclados.

Vale ressaltar a escultura retrô-futurista Steampunk Tree, do artista Sean Orlando, que encontrou na entrada da fábrica da Dogfish Head morada permanente. É uma atração à parte e mostra o compromisso de Caligione com a arte, presente também nos rótulos de suas cervejas, simplesmente maravilhosos. Infelizmente, pelas leis estaduais, a fábrica só pode oferecer quatro “samplers” (copinhos de 100 ml) de suas cervejas a cada visitante. Ou seja: se você quiser continuar bebendo, terá que voltar ao pub ou comprar garrafas ali mesmo para levar para casa ou para o hotel (o que já é um bom consolo, difícil mesmo é não levar quase tudo que tem na loja).

Cervejas que experimentamos no pub e na fábrica da Dogfish Head:

- Namaste: fraquinha, sem revelar grandes surpresas além das notas cítricas. ABV 5 IBU 20
- Positive Contact: muito boa, lembra uma típica abadessa pela quantidade alcoólica e pela complexidade. ABV 9 IBU 26
- Province Windsor Ale: uma especial de primavera, amarga na medida, com álcool deliciosamente mesclado aos maltes ingleses escolhidos. ABV 8,2 IBU 44
- Aprilhop: uma IPA sazonal levemente frutada com toques de damasco, bem gostosinha. ABV 7 IBU 50
- 60 minute IPA: maravilhosa, bem fresca (na pressão, muito melhor que a engarrafada), um dos carros-chefe da casa e nossa preferida. ABV 6 IBU 60
- 90 minute IPA: uma Imperial IPA mais alcoólica, lupulada e pungente que a 60 minutes. ABV 9 IBU 90
- 75 minute IPA: simplesmente uma mistura das duas IPAs citadas acima. Coisas de Sam. -
Indian Brown Ale: uma Ale encorpada e com amargor na medida. Combinou bastante com a noite fria. ABV 7,2 IBU 50
- Raison D’Etre: próxima ao vinho na fermentação e na alma. Não gostamos muito por conta dos toques doces de uva passa, um tanto enjoativos. ABV 8 IBU 25
- Sah’tea: com forte gosto de chá, outra cerveja que não nos conquistou. ABV 9 IBU 6
- History of Past Years: Vange gostou e Cilmara, não. Azedinha, parece pão líquido. Cilmara acha boa para “limpar a serpentina”. ABV 4 IBU 2

*ABV= graduação alcoólica *IBU= amargor

Maiores informações sobre as cervejas, fábrica e tours, no site da Dogfish Head dogfish.com

PS: se você não quiser ficar só no turismo cervejeiro, Rehoboth Beach tem uma praia linda (ventosa e com mar bravo, mesmo em dias quentes) e mais de uma dezenas de Outlets com lojas famosas e preços abaixo dos cobrados nas capitais e grandes cidades dos Estados Unidos. A neblina por lá é tão característica que em um cruzamento no meio da cidade colocaram um farol. Mesmo. Desses que ficam no mar.