2cabeças: a cervejaria louca por lúpulo

5 Comentario(s)
20131122-135433.jpg

Trocamos a marca por mais lúpulo.

Com esta frase a 2cabeças começou um lance original no mundo cervejeiro artesanal do Brasil. Devemos confessar: a palavra lúpulo nos é muito cara ;) e fomos ver o que está acontecendo naquelas cabeças.

A cervejaria já havia antecipado a surpresa no seu site , mas foi no Mondial de La Bière, no Rio de Janeiro, que o estande e as novas idéias chamaram a atenção da galera. Vale lembrar que originalidade é marca da 2cabeças: sua primeira cerveja produzida foi uma black IPA e não a costumeira blonde que todo micro cervejeiro faz para agradar ao mercado.

Outro aspecto inusitado é que a 2cabeças não tem fábrica própria e sempre faz sua produção – depois de inventada nos “laboratórios” da empresa – em parceria com outra cervejaria amiga. Com a Brewpub Penedon lançou no Mondial a sazonal X-Imperial Lager. Antes já havia feito a Saison à Trois com a cervejaria Invicta. No Mondial foi apresentada também a X-SessionIPA – que entra em produção contínua - com 4,7% de álcool, como as cervejas industrializadas, mas com 45 IBU (unidade de amargor) trazendo a potência de uma American IPA, deixando-a ainda mais refrescante e aromática, ideal para o clima em nosso país.

Fizemos uma entrevista com a 2cabeças para saber mais de sua história e seus planos. Um prazer termos no mercado gente que ousa, faz de seu sério trabalho uma provocação e se diverte com isso \o/

 

Lupulinas – A 2cabeças marcou sua história pela ousadia e quebra de paradigmas que cercam o mundo cervejeiro artesanal. Conte um pouquinho sobre o inicio da empresa e a função de cada um da diretoria da 2cabeças.

2cabeças – A 2cabeças surgiu com dois cervejeiros caseiros, Bernardo Couto e Salo Maldonado, e no início de 2012 lançamos o primeiro lote de Hi5 no mercado. O sucesso foi grande, e aí começamos a nos estruturar melhor. Depois de algum tempo, conseguimos estabilizar a produção, lançar a Hi5 e a Maracujipa em garrafas. Mas nunca queremos perder a alma do cervejeiro caseiro, que é de inovar e ter compromisso apenas com qualidade. No início de 2013 tivemos a entrada da cervejeira Maíra Kimura, o que nos ajudou a crescer mais e deixou nosso time mais forte. Então, hoje dividimos muito as funções e tentamos agir o mais coletivamente que podemos, mas podemos dizer, em linhas gerais, que o Salo cuida da área comercial, financeira e novos projetos; Maíra da operação, logística e gestão e Bernardo da produção de cervejas e comunicação da 2cabeças.

Lupulinas – Afinal são três ou duas cabeças?

2cabeças – Duas cabeças pensam melhor que uma! Acreditamos no coletivo, na combinação de elementos, no equilíbrio. O nome veio disso, nunca foi por sermos duas pessoas a fundar a cervejaria. Mesmo no começo, houve a possibilidade de entrar um terceiro elemento, e não foi cogitado mudar o nome. Há uma associação às pessoas, que é natural, mas esperamos que ela perca força pois, como falei, o coletivo sempre vence. Uma empresa não é apenas o espelho dos fundadores, dos sócios ou de quem for. É o resultado de um trabalho de várias pessoas, que vão passando pela empresa.

Lupulinas – Vocês foram muito ousados em destruir a marca 2cabeças, que já começava a se firmar no mercado cervejeiro alternativo, para adotar o X (sem marca). Por que essa decisão?

2cabeças – A gente não matou o nome 2cabeças, apenas a logomarca e os rótulos. Achamos que era o momento de mudar, de buscar outros caminhos em termos visuais, e ainda há novidades que vem por aí. Aguardem cenas do próximo capítulo.

Lupulinas – Vocês vão dar novos nomes às suas já consagradas garrafinhas. O quê vai virar o quê, quais as novidades e qual tipo de cerveja não vai mais ser feita por vocês.

2cabeças – Dentro desse conceito de não marca, deixamos as cervejas com nomes genéricos, como X Black IPA. É, também, uma homenagem aos cervejeiros caseiros que não batizam suas cervejas, muitas vezes, assim como não rotulam. Mas, naturalmente, não vamos abandonar os nomes das cervejas definitivamente. Hi5 e Maracujipa tem uma história muito importante e verdadeira para a gente. Fora elas, lançamos nossa X Session IPA, que está inserida neste momento sem marca e depois entra em nova fase. Ela é uma versão de IPA mais leve, com foco em drinkability, mas sem perder o caráter de lupulagem extrema que uma IPA pede. Ela será mantida na nossa linha fixa. Já era uma receita que planejávamos lançar há meses e finalmente conseguimos!

Lupulinas – “Trocamos a marca por mais lúpulo” é o slogan da mudança da empresa. Vocês acham que esta paixão pelo lúpulo veio pra ficar no mercado cervejeiro artesanal?

2cabeças – Acho que o lúpulo representa a quebra de paradigma das cervejas de massa. A atitude, a vontade de ser diferente. Dentro deste segmento, ele é muito importante, e está cada vez mais em alta. Ele é o tempero da cerveja, e muita gente não gosta de comidas insossas como as congeladas de produção de larga escala. Muito melhor a lasanha da vovó, cheia de recheio e temperos, do que algo genérico para microondas, massificado e feito com foco em critérios como baixar custo, ser o mais neutro possível e ter um índice de rejeição mais baixo possível. Buscamos o melhor, e o melhor para mim pode desagradar a muitas pessoas. E isso é ótimo, viva a pluralidade! Não acreditamos apenas no lúpulo, mas na diversidade e na ousadia. A acidez é algo que virá, assim como a utilização de insumos locais em maior quantidade.

Lupulinas – Qual o principal entrave para baratear as cervejas artesanais brasileiras?

2cabeças – O imposto é cruel e não faz distinção do tamanho das empresas. Então, produtos mais caros de se produzir geram impostos mais altos e assim chegam ainda mais caros para o consumidor final. Para vender uma long neck de cerveja artesanal, uma cervejaria acaba pagando, muitas vezes, só de imposto mais que o preço de uma cerveja de massa custa no mercado. E aí, temos outros impostos embutidos no custo, como questões trabalhistas (há muitos mais funcionários por litro produzido em relação às grandes), custo de importação de insumos, fundamental já que não há lúpulos nem maltes especiais de origem. Temos a famigerada ST, que gera uma bitributação quando o produto sai do estado produtor. O custo de frete é alto no país. É uma bola de neve.

Lupulinas – Qual a principal dificuldade para distribuir suas cervejas?

2cabeças – Ter uma produção regular, já que não temos cervejaria própria, e acompanhar mais de perto a distribuição fora do Rio de Janeiro. Somos pequenos ainda, então acabamos não tendo braços para estarmos mais próximos. Mas temos distribuição hoje em cinco estados: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul. Já houve interessados em distribuir para outros estados, mas por enquanto estamos focando nestes para manter um controle melhor. Elas acabam chegando a alguns outros estados através de clientes que compram direto da gente, mas é algo pequeno ainda.

Lupulinas – Quem faz a distribuição da X para todo o Brasil?

2cabeças – Da 2cabeças, né? :) Não temos distribuição nacional, como falei acima. No Rio, temos a nossa distribuidora. Nos estados citados, temos representantes regionais que fazem este trabalho em parceria com a 2cabeças. Nos estados onde não temos distribuição, nossa atuação se resume a compra direta da nossa distribuidora no Rio de Janeiro. Desta forma, hoje há cervejas da 2cabeças no Mato Grosso e no Piauí.

Lupulinas – Finalmente, agora, aquele “furo de reportagem” para as Lupulinas… ;)

2cabeças – Estamos preparando mudanças e tudo isto foi planejado. Trocamos a marca por mais lúpulo por que nós quisemos. Não fomos processados, como muitos falaram. Não brigamos entre nós. O Eike não comprou a 2cabeças. Não vamos mudar as receitas das nossas cervejas que estão no mercado… ufa!

Dogfish Head: criatividade e sabor

13 Comentario(s)
IMG_6906_crop

Quando alguém vai fazer turismo nos Estados Unidos, pensamos em destinos como Nova York, Miami e Califórnia. Que diabos nós, Lupulinas, fomos fazer no estado de Delaware? A resposta só poderia ser: beber cerveja. \o/

Quem assistiu a série Mestres Cervejeiros na TLC deve se lembrar das aventuras de Sam Calagione pelo mundo inteiro atrás de novas receitas e parcerias para sua cervejaria Dogfish Head (algo como Cabeça de Cação, embora o logo da cervejaria seja o cação inteiro). Pois foi para beber as Dogfish in loco, fresquinhas, que nós fomos parar em Delaware.

Em Washington DC, alugamos um carro e em pouco menos de 3 horas chegamos em Rehoboth Beach (pronuncia-se “rirrôbo”), um pequeno balneário onde fica o pub de Caligione. Antes atravessamos a Chesapeake Bay Bridge, uma ponte maravilhosa de 7 km de puro aço que separa os estados de Maryland e Delaware. Ficamos num hotelzinho barato a poucos quarteirões do bar, sabendo que iríamos freqüentá-lo em cada um dos três dias de estadia.

O ambiente do pub é acolhedor, a poucos quarteirões da praia de Rehoboth, com estacionamento para os clientes e WI-FI gratuito. Logo na entrada, uma lojinha vende cervejas engarrafadas e mercadorias promocionais: copos (inclusive o novo copo especial, desenhado para acentuar o aroma e sabor das India Pale Ale), camisetas, bolachas, flâmulas, abridores, camisetas e até coleira para seu cachorro! Os funcionários são atenciosos e gentis, sem aquela pressa característica do serviço das capitais. Entre freqüentadores, casais de todas as idades, orientações sexuais e famílias com crianças (ao menos durante o dia).

A comida é boa com pratos principais, sanduíches ou snacks. Além das ofertas ‘on tap’ (chopp) diárias, todas as cervejas da DH estão disponíveis em garrafas de 660ml ou em packs de seis de 330ml. Uma boa pedida é experimentar as sazonais, mais difíceis de encontrar no Brasil, ou então algumas receitas que a cervejaria não engarrafa, como a History of Past Years, feita a partir de pão fermentado, estilo Kvass, como as feitas na Europa Oriental do século 10. Para quem se preocupa com sustentabilidade, a cervejaria faz questão de propagandear seus esforços pró-ecológicos, usando ingredientes locais na manufatura de suas sazonais.

O som ambiente é rock’n roll e, nos fins de semana, o pub tem música ao vivo com bandas iniciantes e, às vezes, até artistas mais conhecidos e amigos de Sam que vão ali beber cerveja e dar uma canja. Morremos ao ver um cartaz que anunciava a passagem de Bill Callahan pelo pedaço. (Que tal, Lorena? *-*)

Mas, além do pub, é obrigatória uma visita à fábrica, que fica em Milton, ainda em Delaware, a 20 minutos de Rehoboth Beach, onde são produzidas diariamente 9.000 caixas de cerveja (24 garrafas em cada caixa), além das que vão direto para os barris de chope. Os tours podem ser marcados antecipadamente ou você pode arriscar chegar sem agendamento, esperar um pouco e se encaixar em algum grupo (12 pessoas por vez). Eles acontecem de hora em hora e são bastante informais, começando ali mesmo na recepção/loja, onde aprendemos o básico da feitura das cervejas e as particularidades de cada estilo.

O guia é descolado, conta a história da cerveja e da cervejaria. Lá ficamos sabendo que, fundada em 1995, o investimento colocado na DH só foi recuperado depois de 12 anos de muito trabalho e dedicação.

IMG_6785_crop

.
Depois, adentramos a fábrica (única exigência é ir de calçados fechados e usar óculos protetores que eles fornecem ali mesmo) para ver em detalhes todas as etapas dos processos de cozimento, fermentação, adição de lúpulos e etc. Dez enormes tonéis de aço da altura de dois andares são impressionantes e comandados por três engenheiros que ficam no centro operando computadores que misturam todos ingredientes através de canículas espalhadas por todo o teto da fábrica. Isso sem falar no xodó de Sam: dois enormes tonéis de carvalho, à prova de bala ¯\_(?)_/¯ usados para dar um toque amadeirado em algumas receitas que passam por envelhecimento típico dos vinhos. Logo de cara é demonstrado o orgulho em fazer cerveja com malte de cereais que não milho, soja ou aveia, que fermentam muito rapidamente e por isso é usado pelas grandes cervejarias brasileiras. A fábrica, que começou pequena, hoje é completamente automatizada e continua a se expandir, sem perder sua vocação artesanal e sustentável. Até o bagaço descartado é reaproveitado e alimenta o gado da vizinhança e os kegs (barris de chope) são reciclados.

Vale ressaltar a escultura retrô-futurista Steampunk Tree, do artista Sean Orlando, que encontrou na entrada da fábrica da Dogfish Head morada permanente. É uma atração à parte e mostra o compromisso de Caligione com a arte, presente também nos rótulos de suas cervejas, simplesmente maravilhosos. Infelizmente, pelas leis estaduais, a fábrica só pode oferecer quatro “samplers” (copinhos de 100 ml) de suas cervejas a cada visitante. Ou seja: se você quiser continuar bebendo, terá que voltar ao pub ou comprar garrafas ali mesmo para levar para casa ou para o hotel (o que já é um bom consolo, difícil mesmo é não levar quase tudo que tem na loja).

Cervejas que experimentamos no pub e na fábrica da Dogfish Head:

- Namaste: fraquinha, sem revelar grandes surpresas além das notas cítricas. ABV 5 IBU 20
- Positive Contact: muito boa, lembra uma típica abadessa pela quantidade alcoólica e pela complexidade. ABV 9 IBU 26
- Province Windsor Ale: uma especial de primavera, amarga na medida, com álcool deliciosamente mesclado aos maltes ingleses escolhidos. ABV 8,2 IBU 44
- Aprilhop: uma IPA sazonal levemente frutada com toques de damasco, bem gostosinha. ABV 7 IBU 50
- 60 minute IPA: maravilhosa, bem fresca (na pressão, muito melhor que a engarrafada), um dos carros-chefe da casa e nossa preferida. ABV 6 IBU 60
- 90 minute IPA: uma Imperial IPA mais alcoólica, lupulada e pungente que a 60 minutes. ABV 9 IBU 90
- 75 minute IPA: simplesmente uma mistura das duas IPAs citadas acima. Coisas de Sam. -
Indian Brown Ale: uma Ale encorpada e com amargor na medida. Combinou bastante com a noite fria. ABV 7,2 IBU 50
- Raison D’Etre: próxima ao vinho na fermentação e na alma. Não gostamos muito por conta dos toques doces de uva passa, um tanto enjoativos. ABV 8 IBU 25
- Sah’tea: com forte gosto de chá, outra cerveja que não nos conquistou. ABV 9 IBU 6
- History of Past Years: Vange gostou e Cilmara, não. Azedinha, parece pão líquido. Cilmara acha boa para “limpar a serpentina”. ABV 4 IBU 2

*ABV= graduação alcoólica *IBU= amargor

Maiores informações sobre as cervejas, fábrica e tours, no site da Dogfish Head dogfish.com

PS: se você não quiser ficar só no turismo cervejeiro, Rehoboth Beach tem uma praia linda (ventosa e com mar bravo, mesmo em dias quentes) e mais de uma dezenas de Outlets com lojas famosas e preços abaixo dos cobrados nas capitais e grandes cidades dos Estados Unidos. A neblina por lá é tão característica que em um cruzamento no meio da cidade colocaram um farol. Mesmo. Desses que ficam no mar.