Stout: dos portos da Irlanda para o mundo

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A Grande Indústria Cervejeira costuma dividir os estilos de cervejas, de maneira até sexista, entre louras, morenas e ruivas. Bobagem. Nem todas loiras são iguais, nem toda ruiva tem o mesmo sabor e nem toda morena é (sic) “robusta”. Se a comparação com mulheres de raças e cabelos variados é condenável por conta do machismo subjacente, a classificação de cervejas entre pretas, claras e vermelhas ignora a enorme diversidade de sabores que vão além da mera coloração.

Para falar sobre Stouts, um estilo de cerveja preta nascido na Irlanda, convidamos nosso amigo Leopoldo Bitencourt, um amante do estilo e ex-assistente de mestre cervejeiro do Lagom Brewpub, de Porto Alegre. O Léo, que começou a fazer cervejas em casa por influência do pai, já produziu Stouts no Lagom (uma Dry Stout e variações de Imperial Stouts) e aceitou explicar para nós algumas das características do estilo.

Lupulinas: como surgiu a Stout?
Léo: a Stout é um estilo derivado das Porters, ambas de origem irlandesa. As Porters eram muito comuns nas cidades costeiras, com portos. Os “porters” eram os carregadores dos portos. Eles precisavam de cervejas fortes, pesadas, pra poder agüentar a lida. Aí foi criado o estilo Porter. A Stout é filha da Porter, derivada dela. Como muitos dos trabalhadores não gostavam de cervejas adocicadas (característica das Porters, que tem aquele toque de chocolate, às vezes até de avelã) eles buscaram um aroma de café, usando um malte bastante torrado para que a cerveja ficasse menos doce. Assim que surgiu a Stout.

Lupulinas: mas as Stouts podem variar bastante entre si, né?
Léo: sim, a Stout tem vários sub-estilos. Existem Stouts que são frutadas; as Imperial Stouts (geralmente mais extremas, mais doces e com mais álcool, que puxam menos pro café e mais pro chocolate); as Scotch Stouts, que são mais lupuladas e um pouquinho mais amargas; a Oatmeal Stout é feita com aveia e levemente frutada; a Sweet Stout geralmente leva adição de chocolate, mas em pequena quantidade, só pra dar aroma mesmo; e as Chocolate Stout, feitas com bastante chocolate e muito mais doces que as Porters (que não levam chocolate mas têm um leve aroma chocolate, caramelo e avelã).

Lupulinas: é bom esclarecer nosso leitor que esses aromas nem sempre resultam da adição da fruta, café ou do chocolate. É o malte tostado que abre esses sabores dentro da cerveja, certo?
Léo: exatamente.

Lupulinas: enquanto conversamos, estamos degustando uma Amazon Açaí Stout, que foi eleita a melhor cerveja do Brasil dentro do Festival da Cerveja Brasileira de 2014, em Blumenau, a que conseguiu maior pontuação entre o júri.
Léo: a Cervejaria Amazon trabalha bastante com o que existe na região (norte do país), fabricando estilos clássicos, mas sempre com um toque regional, como muitas outras cervejarias. Eu gostei dela, ela tem um corpo bom, não é uma Dry Stout. Tem um aroma fraco de café, uma espuma boa, bege, de corpo grosso e, no final, no retrogosto, tu sente um pouquinho de amargor que parece ser do açaí, embora eu não tenha sentido muito o açaí nela.

Lupulinas: mas ela parece ser fácil de beber…
Léo: ela é boa de tomar. Para quem não gosta de Stout por causa do gosto de café, ela é uma boa pedida porque o gosto de café praticamente some e fica no final o azedinho do açaí.

Lupulinas: nós estamos sentindo o álcool se sobressair. A dosagem alcoólica dela é 7,2.
Léo: não sei qual foi o método usado na adição da fruta, mas ela pode ter ajudado na fermentação, produzindo mais álcool na cerveja. Esse álcool e o azedinho no final fazem com que essa cerveja não fique doce.

Lupulinas: quanto se fala em Stout, nos vem à cabeça a Guiness, a Stout mais famosa, comercializada no mundo todo. Ela vem com aquela bolinha dentro da lata. Por que isso?
Léo: vocês podem reparar que as torneiras de chopp da Guiness também são diferentes. Elas saem com mais pressão, criando mais espuma que as outras. Numa entrevista com o Fergal Murray, mestre cervejeiro da Guiness, ele diz que “é uma cápsula propulsora de nitrogênio que, misturada ao gás carbônico, mantém o sabor da bebida. Essa cápsula também tem a função de compactar as bolinhas de gás da cerveja, levando todo o gás para o colarinho, tornando-o denso e cremoso.”

Lupulinas: dos elementos que são usados pra fazer uma cerveja, o que caracteriza cada um deles numa Stout?
Léo: vamos lá. A água, para fazer uma Stout, tem que ser um pouco mais dura (mais básica e menos ácida) para ajudar a quebrar as moléculas do malte e transformar ele em açúcar. Aí ela vai ficar mais robusta, porque o malte é bem dissecado, e a água puxa todo o amido que tiver no malte para a Stout. Quanto ao fermento, usamos o S-33 ou Irish Ale, sendo que este último dá menos sensação de secura. O malte é o básico do básico do básico nas Stouts: elas são cervejas bem maltadas e o malte é bem torrado (entre caramelo e torrado, geralmente usa-se mais o torrado). A base de uma Stout quase sempre Pale Ale ou Pilsen, maltes usados em geral para cervejas. O lúpulo, em Stouts clássicas, padrão, quase não é utilizado. Existe um sub-estilo, a Scotch Stout, que é um pouco mais lupulada. Mas de modo geral, o padrão da Stout é não ser lupulada. O lúpulo é usado em pouquíssima quantidade, apenas para dar um amargor pra quebrar o gosto do café e do caramelo, e só.

Lupulinas: agora estamos degustando uma Fuller’s Black Cab Stout.
Leo: ela tem 4,5% de álcool, menos que a Amazon, e tem um gostinho de café sem açúcar. Ela tem bem mais aroma e um retrogosto de café. Ela é um pouco mais escura que a que bebemos antes também.

Lupulinas: as Stouts variam de coloração? Ela pode ser marrom ou preta?
Léo: a Stout é preta com o colarinho bege. Mas pode variar de tonalidade, de acordo com a receita. Marrom é a mãe dela, que é a Porter. Reparem que essa Fuller’s quase não tem aroma de lúpulo e a gente sente só o café mesmo. É uma Stout clássica.

Lupulinas: ela não parece ser tão aguada quanto a Guiness, parece ter mais corpo…
Léo: isso é porque ela é mais maltada. Geralmente recomendo a Fuller’s como exemplo de Stout clássica, mais que a Guiness ou a Murphy’s, mais vendidas e conhecidas. A Guiness tem um colarinho mais alto e mais cremoso, por causa da tal bolinha de nitrogênio, que agrupa todo o gás carbônico e torna o colarinho mais espesso.

Lupulinas: as pessoas costumam achar que a Stout é uma cerveja mais pesada, densa e forte, por causa do visual, da coloração preta?
Léo: em geral, as Stouts não costumam ser pesadas. Uma cerveja de trigo, por exemplo, é mais pesada pra beber. Mas a Stout, assim como a Porter, são cervejas mais nutritivas. As Stouts que tem corpo mais denso são as chamadas Oatmeal Stout e as Imperial Stouts, que são cervejas encorpadas e alcoólicas, boas pro clima frio.

Lupulinas: agora vamos passar para uma Titanic Stout, com 4,5% de álcool.
Léo: essa é uma Stout inglesa, bem dentro do estilo. A espuma é alta e mais clara, e um aroma de café mais forte que a Fuller’s. Ao beber, tu percebes muito o malte torrado e o final mais seco. Podemos considerar essa cerveja uma Dry Stout.

Lupulinas: agora vamos degustar uma Schornstein Imperial Stout, brasileira de Pomerode, em Santa Catarina.
Léo: vocês podem perceber que ela não tem tanto aroma de café, é mais encorpada que as outras que provamos (por ter mais malte), e tem uma espuma muito mais baixa (talvez por causa do modo como foi servida no copo ou mesmo problema com a garrafa que abrimos). Ela tem um toque mais doce, de chocolate, e o retrogosto dela puxa um pouquinho pro amargo, como um chocolate meio-amargo. Ela é mais alcoólica (8%), então tu sentes mais o calor na garganta. Gostei dela porque ela é uma Imperial equilibrada e não tão extrema quanto outras e dá pra tomar tranquilamente numa mesa de bar.

E foi assim, tranquilamente e com um bom papo, que bebemos as maravilhosas Stouts que Léo nos apresentou. Nem todas as cervejas escuras são iguais e celebrar suas diferenças é dever de quem aprecia sabores, temperos e uma boa cerveja.

Diário de Bordo – Festival da Cerveja parte 1

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bodebrown stande

O Festival da Cerveja, em Blumenau, começou para nós na noite anterior com o lançamento da incrível Frosty Bison, a primeira American IPA da cervejaria local Eisenbahn. O novo rótulo é uma receita ganhadora do 4º Concurso de Mestre Cervejeiro, realizado anualmente pela cervejaria que, desta maneira, apresenta novos e promissores profissionais ao mercado.

A Frosty Bison foi criada pelo cervejeiro Fabert Araújo, presente ao evento, um cara simpático que costumava fazer suas receitas em casa..

Para acompanhar a nova American IPA a Eisenbahn lançou um copo especial, semelhante ao ~copo mágico~ da Dogfish Head porém um pouco menor. O copo ressalta as qualidades das IPAs e esta deve ter sido a razão para seguir os passos da cervejaria americana. Infelizmente os copos não estarão à venda. Mas atendendo a pedidos dos consumidores, a Eisenbahn resolveu envasar sua Frosty Bison em garrafas de 500ml: mais sabor em maior quantidade. Elas chegarão ao mercado ao preço de 16 dilmas.

O aroma dos lúpulos americanos da Frosty logo aparece. A espuma da cerveja é boa, consistente, o sabor é amargo-cítrico e corpo, leve e sem arestas. Mais uma ótima IPA artesanal brasileira para festejarmos.

Ah, e vale destacar o bar-fábrica da Eisenbahn. Comprada pela Kirin Brasil, a cervejaria mantém a filosofia das artesanais. Do bar, através de um vidro, podemos acompanhar todo o processo de feitura de suas cervejas. Se for a Blumenau, não deixe de visitá-la. Imperdível.

No dia seguinte fomos convidadas para o almoço no The Basement Pub que apresentou seu novo cardápio de burgers e hot-dogs. O bar pertence aos ex-proprietários da Eisenbahn, que agora se dedicam a produzir os tradicionais queijos fundidos de Pomerode. Deliciosos, aliás. Adoramos os hambúrgers, os queijos e as artesanais que os acompanharam. Outro pico para explorar em Blumenau.

O Primeiro dia do Festival

As Premiadas

Às 21 hs, muita alegria e comemoração com a premiação das 23 cervejas que receberam medalhas de ouro. Elas passaram de 80 pontos na avaliação geral e foram coroadas como melhores do Brasil nos seus estilos. A Stout Açaí, da Amazon Beer, recebeu 91 pontos entre os 100 possíveis e foi eleita a melhor cerveja do país.

Outro resultado muito comemorado foi o bicampeonato da Bodebrown, de Curitiba, que foi eleita de novo a melhor cervejaria do país. Foram 10 medalhas:  uma de ouro, seis de prata e três de bronze. Em segundo lugar ficou a Brasil Kirin com os premios da Eisenbahn e Baden Baden. E em terceiro a Gauden Bier, com os rótulos da Dum, Morada Etílica, Pagan e seus proprios de fábrica.

A cervejaria Colorado, de Ribeirão Preto (SP), foi a que mais acumulou medalhas de ouro. Foram três: Colorado Ithaca, Colorado Vixnu e Colorado Ithaca Oak Aged.

Os lançamentos

A Baden  Baden, de Campos do Jordão, lançou uma levíssima Witbier. Com toques de coentro e aroma de laranja, estilo belga, esta Witbier é bem refrescante.

A cervejaria Wäls, de Belo Horizonte, preparou uma cerveja para nossa temperatura tropical: a Session Citra com um rótulo bem esperto.

A Schornstein, de Pomerode, apresentou a Blanche de Maison, uma Witbier clássica com coentro, laranja, tangerina e limão siciliano. De cara, arrebatou a medalha de prata de seu genero. Aliás, a Schorstein ganhou ouro com a sua magnifica IPA, já no mercado.

A Morada Cia Etílica, de Curitiba, mostrou a Hop Arábica, unindo o melhor da cerveja e do café.

A Dama Bier, de Piracicaba apresentou a Imperial Coffee IPA, com 9% ABV e adição de café de São Paulo.

A Way Beer, de Curitiba, levou a linha Sour me Not, composta inicialmente por três cervejas com frutas (morango, acerola e graviola).

A Baldhead, de Porto Alegre, fez sucesso com a Kojak IPA.

A Bamberg, de Votorantim, levou barris de  Franconian Raphsody, uma gostosa helles defumada.

A gaúcha Seasons agraciou os amantes de lúpulo com a XXXPA servida em chope. Nosso olhar também foi atraído pelas descoladas camisetas da cervejaria que – parabéns, Leo! – levou ouro pela Cirillo, prata pela Pacific e bronze pela Holy Cow.

Outro estande que nos chamou a atenção foi o da Lake Side, cervejaria que trabalha sem glúten e faz diversos tipos de cerveja. De cara levou o Ouro pela Crazy Rye. Em breve faremos um post só sobre esta cervejaria corajosa e criativa.

A campeã Bodebrown, de Curitiba, lançou um vídeo mostrando tudo o que vai levar para o festival. São 2 mil litros de cerveja em 18 rótulos, sendo que 5 deles envelhecidos em barris por até 18 meses. Assista ao vídeo:

 Destaques

Mais uma delícia que degustamos: a Coruja Labareda, que o talentoso Rafael Rodrigues nos apresentou com sua simpatia característica. Uma cerveja com pimenta, complexa, que traz alegrias aos sentidos e pede outro gole na sequência.

A alegria de beber mais uma vez a maravilhosa Funk IPA, da Cervejaria 2Cabeças, só não é maior que a de encontrar Maira Kimura e Bernardo Couto. Alias, parabéns pelas Medalhas de Bronze recebidas pela  Hi5 e a propria Funk IPA

Uma delícia também os sorvetes, feitos com cerveja é lógico!, da Gelataio de Curitiba.

Enfim, são muitos rótulos diferentes e nunca conseguiriamos provar todos apenas numa noite. O festival prossegue até dia 15 e no próximo post comentaremos sobre seu desfecho e as eleições para a Associação Brasileira das Microcervejarias.

Festival Brasileiro da Cerveja
Data/horário: 12 a 15 de março de 2014 (de 12 a 14 a partir das 19h e no dia 15 a partir das 15h)
Local: Parque Vila Germânica, em Blumenau (SC)
Mais informações: www.festivaldacerveja.com

Chuva, Suor e Cerveja: as boas deste carnaval

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boteco com way

O Carnaval tai e folionas e foliões já começam a ocupar alegremente as ruas. Esta é a época do ano em que Os Grandes da Indústria Cervejeira investem pesado no marketing da festa, na mulherada com bunda de fora, em blocos de rua, camarotes e associam suas marcas ao hedonismo e à zueira. Essas cervejas abundam no Carnaval e nós, Lupulinas, não estamos interessadas nelas.

Nós, que gostamos de cervejas artesanais e também de carnaval, precisamos lançar mão de alguns truques e recursos para aproveitar a festa com cervejas mais ao nosso gosto. Aqui vão umas dicas:

1. Aproveite a moda dos rolês do isoporzinho e leve suas favoritas para a rua, devidamente refrescadas num cooler ou isopor. Carregue-as para o bloco, pra dividir com amigos e amigas. Deposite os cascos vazios em local apropriado para reciclagem. Limpe depois toda sua sujeira.

2. Cole em algum bloco que passe perto de bares que vendam cervejas artesanais e assim se abasteça no meio da folia. Não mije na rua.

3. Se for assistir desfiles pela TV, encha a geladeira com delicinhas artesanais, convide a galera (e que ela venha também com cervejas boas) e seja você o rei do seu camarote. Trate bem os convidados e sirva petiscos pro pessoal não queimar a largada.

4. Se você for fugir da folia e se isolar num sítio, não se esqueça de levar caixas e caixas de artesanais para viagem e não as deixe sofrer com o sol e o calor. E se beber, não dirija.

5. Se for fazer um churrasco, peça chopp artesanal para sua festa. Há micro-cervejarias que distribuem seus barris também para pessoas físicas, como a Bamberg Express, aqui em SP.

6. Muitos supermercados de rede vendem artesanais, inclusive geladas. Se você der sorte, pode achar algumas nas prateleiras enquanto dá aquela escapadinha da folia para dentro do mercado. Rótulos como Eisenbanh, Colorado e Baden Baden são os mais fáceis de encontrar.

Por fim, recomendamos os estilos mais leves e menos alcoólicos, ideais para quem vai passar o dia inteiro bebendo, provavelmente, sob forte calor. Lagers, Pilseners, Weizen/Weiss e Pale Ales. Ah! E não esqueçam da água que dá aquela qualidade de cervejeiro fundista.

 

Sugestões : (escolhemos cervejas mais fáceis de encontrar nas prateleiras dos supermercados – somente brasileiras)

Eisenbahn Pilsen (latão especial de 473ml)
Way Pale Ale
Way Premium Lager
Bamberg Kolsch (sazonal de carnaval)
Bamberg Camila Camila
Colorado Appia
Baden Baden Cristal
Amazon Taperebá Witbier

 

Bier Diversidade

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caminhao

Afinal, como podemos chamar essas cervejas diferentonas aí que vocês gostam? São especiais, premium, gourmet? Essas perguntas sempre acompanham quem gosta de cervejas artesanais. Mas, por mais difícil que seja definir, sabemos o que elas não são: não são gourmet, nem especiais e muito menos premium.

Cervejas artesanais são geralmente produzidas por micro cervejarias, fora do esquema da Grande Indústria. Elas, em sua grande maioria, não usam malte de milho ou arroz nas suas receitas, ao contrário das cervejas “normais” da Grande Indústria. As cervejarias artesanais apostam na variedade de estilos, de receitas milenares a novas misturas, sempre fugindo da padronização da Grande Indústria que só consegue dividir suas garrafas entre louras, ruivas e morenas.

Micro cervejeiros no mundo inteiro tentam encontrar uma definição exata para poderem se organizar e enfrentar no mercado a Grande Indústria. O consenso sobre o que é afinal uma cervejaria artesanal (craft brewery) ainda não foi alcançado. Isso porque as bebidas, os processos de feitura e o tamanho dos negócios variam muito e nem sempre uma regra pode ser estendida a todas às artesanais (algumas belgas excelentes como a Gouden Carolous Classic, por exemplo, levam milho na sua composição).

Nós, Lupulinas, como roqueiras que somos, amamos as artesanais pelo seu espírito de cerveja de garagem, cerveja de raiz, cerveja moleque, independente e underground. Sim, existem artesanais que são produzidas no método champenoise usando rolhas e, por serem muito caras, acabam cultuadas como símbolos de status. Mas existem aquelas como as da Caracole, que conhecemos no interior da Bélgica, baratas (para o padrão europeu) e consumidas por camponeses locais. São fabricadas ali mesmo, numa micro cervejaria de beira de estrada e com rótulos criativos e lisérgicos.

Cerveja Artesanal também é Rock

A garagem e o underground estão completamente entrelaçados na mais recente cultura cervejeira artesanal. Já é praxe lançarem rótulos homenageando bandas como AC/DC, Iron Maiden, Pearl Jam, Sepultura,Raimundos, Ozzy, Wander Wildner, entre muitas nacionais e gringas. Não é raro encontrar um roqueiro entre os apreciadores ou fabricantes de cervejas artesanais, como o baterista da banda Nenhum de nós, Sady Homrich, que assina uma coluna e organiza eventos sobre a cultura cervejeira.

Cerveja Artesanal também é Arte, Literatura e Nerdice, tudo junto.

Não bastasse a Flying Dog ter sido fundada por um astrofísico aventureiro, George Stranaham, a cervejaria homenageou o escritor Hunter Thompson na sua Gonzo, uma Imperial Porter bem preta e forte. Para quem não sabe, Thompson inaugurou um tipo de jornalismo, apelidado de Gonzo, em que a imparcialidade e a objetividade são completamente abandonadas e o autor se mistura à história contada. Ídolo de toda uma geração de jornalistas e escritores, Hunter Thompson conheceu o dono da cervejaria Flying Dog quando se mudou para uma fazenda vizinha à de George, no Colorado. Segundo o site da cervejaria, eles “tornaram-se grandes amigos e conversavam  sobre explosivos, armas avançadas, política, futebol, uísque e cerveja”. Completando a parceria pop-rock-literária, a Flying Dog investe na arte dos rótulos – outra característica das artesanais – e todos eles são assinados, desde 1997, pelo artista gráfico Ralph Steadman.

Cerveja Artesanal também é Cultura Local

Outra boa idéia das artesanais é incorporar alimentos e iguarias locais e/ou sazonais às suas receitas. Aqui no Brasil, isso tem resultado em muitas e agradáveis surpresas. As cervejas paraenses Taperebá Witbier e IPA Cumaru, da Amazon, contém cajá e baru, respectivamente. A Cauim, da Colorado, leva mandioca e a MaracujIPA, da carioca 2Cabeças, usa maracujá na fase do dry-hopping.

Nosso destaque neste quesito vai para a Cacau IPA, feita pela curitibana Bodebrown, do pernambucano Samuca Cavalcanti, um apaixonado pela cultura artesanal cervejeira. Para começar, o logo da cervejaria é um bode, animal que as Lupulinas curtem bastante. Mas não é só isso: a micro cervejaria tem feito algumas de nossas artesanais brasileiras preferidas, entre elas a Perigosa, a Hop Weiss e a Cacau IPA, eleita a melhor India Pale Ale do Brasil durante o IPA Day Brasil de Riberão Preto em 2013 (estivemos lá e provamos da bica). Feita em parceria com a americana Stone Brewing (sim, parcerias entre artesanais também são comuns), a Cacau é escura e densa. A ela é adicionado cacau de Ilhéus em “nibs” (flocos da amêndoa do cacau seca e torrada), mas não tema: os lúpulos cítricos não deixam a cerveja ficar doce ou enjoativa. Pelo contrário, a Cacau IPA é amarga na medida, aveludada e perfeitamente equilibrada.

Estas são algumas das características da cerveja artesanal. A diversidade é a chave contra a padronização. Querer comparar uma pilsen industrializada com uma artesanal é como dizer que uma porção de chicken nuggets equivale a uma galinhada caipira. Preferimos galinhada.

Cerveja de Trigo: suave e macia como os campos de lá

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campo de trigo 1888

A cerveja de trigo é a porta de entrada para novos consumidores de cerveja artesanal. Provavelmente porque, sem muito lúpulo, ela não se caracteriza pelo amargor pronunciado, facilitando o paladar do querido novato (beijo, Pedro Alex :)) Nascida e consumida principalmente na região sul da Alemanha, a famosa Baviera, ela foi apelidada de Weissbier (cerveja branca) por ser mais clara que as Ales consumidas na Idade Média, mas também atende pelo nome de Weizenbier (cerveja de trigo). Dá tudo na mesma. Ela veio pra ficar, ganhou o velho mundo, atravessou oceanos e chegou às Américas.

Para nosso clima ela é excelente. Primeiro, porque é uma cerveja refrescante e seus componentes cítricos, com toques de banana e laranja, combinam com o clima tropical. Mas não é só isso: elas casam muito bem com peixes ou frutos do mar, com pratos apimentados ou petiscos picantes, sendo uma companhia perfeita para a vida praiana. Considerando que temos oito mil quilômetros de litoral, sua carreira promissora está apenas começando no Brasil.

Além da cevada, usual em outros tipos de cerveja, a Weissbier (chamada também de Hefeweizen, Weizenbier ou Hefeweissbier) contém malte de trigo, o que lhe confere um aspecto turvo porque o trigo não é tão facilmente filtrável. Mas não se importe com sua aparência opaca: é nela que reside toda a graça e complexidade das Weiss. E é no fundo da garrafa – que deve ser guardada de pé na geladeira e não balançada antes do consumo – que fica o depósito espesso de leveduras que deve ser misturado ao copo na hora de servir. Como geralmente as cervejas de trigo vêm em ampolas de 500 ml é recomendado aquele copo alongado, para o aproveitamento deste néctar depositado no fundo da garrafa. Se você não o tiver à mão ou for dividir, basta compartilhar também a levedura, fraternalmente.

As marcas alemãs mais conhecidas ao redor do mundo são Paulaner, Erdinger, Schneider Weisse, Weihenstephan e Franziskaner, sendo esta última a preferida das Lupulinas. Tivemos também o prazer de experimentar a Watou’s Wit, uma belga fabricada em Poperinge, a capital do lúpulo. Bem refrescante e com um toque de limão maravilhoso. Uma boa relação custo-benefício aqui no Brasil é a lata da Oettinger Hefeweizen, honesta e equilibrada.

Mas a delícia mesmo é que as cervejas de trigo começaram a ser fabricadas no Brasil por cervejarias artesanais que têm oferecido uma variedade incrível. Misturando ingredientes locais, como pede a tradição do artesanal, listamos abaixo algumas de nossas preferidas (lembrando que, assim como novas marcas saem e entram no mercado, estamos em constante atualização).

As Brasileirinhas

- Eisenbahn Weizenbier (Cervejaria Eisenbahn, Blumenau, SC) – bem aromática é nossa brasileira de trigo preferida. Bem mais densa e encorpada do que as similares nacionais, tem boa acidez, com acentos de banana e cravo. É naturalmente turva, além de possuir uma linda cor dourada. É bastante refrescante também. ABV 4,8

- Hop Weiss (Cervejaria Bodebrown, Curitiba, PR) – o mestre cervejeiro conseguiu adicionar mais lúpulo (inclusive fresco, através de dry hopping) a esta cerveja de trigo de maneira bastante equilibrada. Nem o frutado e nem o amargor se sobressaem, sobrando frescor. Adoramos porque apreciamos adição de lúpulos (tradicionais amantes de Weiss podem estranhar, contudo).  ABV 4,9 IBU 34,1

- Bamberg Weizen (Cervejaria Bamberg, Votorantim, SP) – bastante leve, refrescante, com banana discreta (mais no aroma que no sabor) e sutil amargor e boa acidez que a deixam menos frutada. ABV 4,8

- Appia – (Cervejaria Colorado, Ribeirão Preto, SP) – o diferencial é a utilização de mel em sua composição. ABV 5,5

- Wäls Witte (Cervejaria Wäls, Belo Horizonte, MG) – refrescante, de receita belga, traz ao paladar gosto de laranja e especiarias. ABV 5 IBU 20

- Witbier Taperebá (Cervejaria Amazon, Belém, PA) que como o nome indica leva em sua receita a fruta amazônica taperebá, também conhecida como cajá. Bem refrescante, ela segue a tradição das receitas belgas. ABV 4,7

 

P.S.: Não incluímos a Hoergaarden nesta lista porque ela tem uma fabricação diferenciada e ganhará um post só dela. #kiridinha